26 agosto 2020

 Um outro nascimento



Todo o meu ser é um cântico negro

que te levará

fazendo-te durar

ao despertar dos crescimentos e florescimentos eternos

neste cântico eu suspirei tu suspiraste

neste cântico

eu acrescentei-te à árvore à água ao fogo.


A vida é talvez

uma rua comprida pela qual uma mulher segurando

um cesto passa todos os dias.


A vida é talvez

uma corda com a qual um homem se enforca num ramo

a vida é talvez uma criança a regressar a casa da escola.


A vida é talvez acender um cigarro

na pausa narcótica entre fazer amor e fazer amor

ou o olhar ausente de um homem que passa

tirando o chapéu a um outro homem que passa

com um sorriso vazio e um bom dia.


A vida é talvez esse momento fechado

quando o meu olhar se destrói na pupila dos teus olhos

e está no sentimento

que eu irei pôr na impressão da Lua

e na percepção da Noite.


Num quarto grande como a solidão

o meu coração

que é grande como o amor

olha os simples pretextos da sua felicidade

o belo murchar das flores no vaso

a jovem árvore que plantaste no teu jardim

e o canto dos canários

que cantam para o tamanho de uma janela.


Ah

este é o meu destino

este é o meu destino

o meu destino é

um céu que desaparece com a queda de uma cortina

o meu destino é despenhar-me no voo de estrelas agora inúteis

reconquistar qualquer coisa no meio da putrefacção e da nostalgia

o meu destino é um passeio triste no jardim das memórias

e morrer na dor de uma voz que me diz

eu amo

as tuas mãos.


Irei plantar as minhas mãos no jardim

crescerei eu sei eu sei eu sei

e as andorinhas virão pôr ovos

no vazio das minhas mãos manchadas de tinta.


Vou usar

um par de cerejas gémeas como brincos

e pôr pétalas de dália nas minhas unhas

há um beco

onde os rapazes que se apaixonaram por mim

se demoram ainda com o mesmo cabelo despenteado

os mesmos pescoços finos e as mesmas pernas magras

e pensam nos sorrisos inocentes de uma rapariga

que foi levada pelo vento uma noite.


Há um beco

que o meu coração roubou

às ruas da minha infância.


A viagem de uma forma na linha do tempo

fecundando a linha do tempo com a forma

uma forma consciente de uma imagem

a regressar de uma carícia num espelho.


E é desta maneira

que alguém morre

e alguém segue vivendo.


Nenhum pescador jamais achará uma pérola num pequeno regato

que se esvazia num lago.


Eu conheço uma pequena e triste fada

que vive num oceano

e toca a flauta mágica do seu coração

suave, suavemente

pequena e triste fada

que morre com um beijo todas as noites

e com um beijo renasce a cada amanhecer.


            

Forough Farrokhzad


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