Loucura -
Gosta principalmente de estar com as crianças, as mulheres e
os pescadores. Mesmo de entre os animais selvagens, Cristo prefere os que mais
longe estão da prudência vulpina. Por isso preferiu montar num burro, quando
poderia, se quisesse, andar sem perigo sobre o dorso de um leão! O Espírito
Santo desceu sob a forma de uma pomba e não de uma águia ou milhafre! As
Sagradas Escrituras mencionam repetidamente cervos, jumentos e cordeiros. E
reparai que Cristo chama suas ovelhas aos que destina à vida eterna. Ora bem,
não há animal mais tolo, se acreditarmos no provérbio cabeça de ovelha de Aristóteles, que ele diz aplicar-se como insulto a todos os ineptos e imbecis.
Cristo, no entanto, considera-se o pastor deste rebanho e até mesmo se compraz
com o nome de cordeiro; é assim que João o designa: “Eis aqui o cordeiro de
Deus!”, e esta é a expressão mais frequente do Apocalipse.
Que significa tudo isto senão que todos os homens são loucos
até mesmo os mais piedosos? O próprio
Cristo, para aliviar esta loucura dos homens, e embora fosse sabedoria do Pai,
fez-se de certo modo louco, quando se revestiu da natureza humana e se mostrou sob
o aspecto de um homem, ou quando se fez pecado para remediar os pecados. Nem os
quis remediar senão pela loucura da Cruz, com os apóstolos insensatos e
ignorantes, recomenda-lhes vivamente a Loucura, apartando-os da Sabedoria, pois
lhes deu por exemplos as crianças, os lírios, o grão de mostarda e os
passarinhos, tudo quanto é falho de inteligência e desprovido de razão, tudo
quanto vive sem artificio nem cuidado , conduzido tão só pela natureza.
Também os proibiu de se preocuparem com o que deveriam dizer
perante os juizes; exigiu que não questionassem o tempo e o momento, e até que
não confiassem na sua prudência, para dependerem apenas Dele. Dai que Deus, o
Criador do mundo tenha proibido terminantemente que provassem da árvore da
ciência, como se a ciência fosse veneno da felicidade.
S. Paulo rejeita-a abertamente, como perniciosa e causadora
de vaidade. S. Bernardo segue-o, sem dúvida,
quando, para designar a montanha em que Lucifer tem assento, usa a expressão:
montanha da ciência.
Erasmo de
Roterdão (1509), Elogio da Loucura