09 julho 2016

Três espécies de almas, três orações:

a) Sou um arco nas tuas mãos, Senhor; curva-me, senão apodrecerei.
b) Não me curves demasiado, Senhor; posso quebrar.
c) Curva-me até onde desejares, Senhor; e tanto pior se eu quebrar.
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Ergui os olhos, fitei-te. Ia dizer-te:
- Avô, é verdade que não há salvação? – Mas a língua prendeu-se-me. E quando tentei aproximar-me de ti, os joelhos fraquejaram.
Então, estendeste a mão, como se eu me afogasse e quisesses salvar-me. Agarrei-a àvidamente: ela estava salpicada de manchas multicolores; queimava. Toquei-lhe, ela deu-me força, um impulso, e pude falar.
- Avô – disse –, dá-me as tuas ordens.
Tu sorriste, puseste a mão sobre a minha cabeça. Não era mão, era um fogo multicolor. E esse fogo derramou-se até às raízes do meu espírito.
- Vai até onde puderes, meu filho...
A tua voz era grave, sombria, como se  saísse da garganta profunda da terra.
Atingira as raízes do meu cérebro, mas o meu coração não acusou qualquer sobressalto.
- Avô – gritei então com voz mais forte – dá-me uma ordem mais difícil, mais cretense.
E, bruscamente, mal o tinha dito, uma chama cortou o ar. Assobiando, o antepassado indomável com cabeleira entrelaçada de raízes e desapareceu da minha vista: no alto do Sinai apenas restava uma voz imperiosa, que fazia estremecer o ar.
- Vai até onde não puderes
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- Lembras-te daquelas palavas terríveis que nós, os cretenses, costumamos dizer: - «Volta aonde fracassaste; foge do lugar onde venceste!» Se fracassei e me sobrar ainda uma hora de vida, recomeçarei; se venci, abrirei a terra para vir deitar-me ao pé de ti.
.Aqui tens, pois, o meu relato, general, e julga.
- Escuta, Avô, o relato da minha vida; e se na verdade combati contigo, se fui ferido sem que ninguém se apercebesse que sofria, se nunca voltei as costas ao inimigo – dá-me a tua bênção.

 in "Carta a Greco" -  Nikos Kazantzaki
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“Toda a minha vida é um grito e toda a minha obra a interpretação desse grito!”

Nikos Kazantzaki