27 junho 2015

Não  esqueço os recitais de Maria Barroso.Aqui ficam três dos hinos mais empolgantes:


- Prometeu

Abafai meus gritos com mordaças,
maior será a minha ânsia de gritá-los!

Amarrai meus pulsos com grilhões,
maior será minha ânsia de quebrá-los!

Rasgai a minha carne!
Triturai os meus ossos!

O meu sangue será a minha bandeira
e meus ossos o cimento duma outra humanidade.

Que aqui ninguém se entrega
- isto é vencer ou morrer -
é na vida que se perde
que há mais ânsia de viver!

Joaquim Namorado



- Ode à Liberdade

Quero-te, como quero ao ar e à luz
Porque não sou a ovelha do rebanho,
Nem vendi ao pastor alma e a grei;
E onde não haja mais do que o redil,
Es tu a minha pátria e a minha Lei.
Leva-me onde as estradas me pertençam.
Porque as vozes viris que me conduzem
Ninguém, melhor do que eu, sabe dizê-las;
Porque eu não temo as livres solidões,
Onde habitam os ventos e as estrelas.
Leva-me ao teu sopro, éter divino,
Porque me queima a sede das alturas
E o meu amor se oferece sem limite;
E és tu que abres as asas aos condores,
És tu que ergues os astros ao zénite.
Toma-me nas tuas mãos de Sagitário,
Faze de mim o arco retesado
Pelo teu braço e a tua força inquieta,
Pois, quando o meu desejo atinge o alvo,
És tu o impulso que dispara a seta.
E lá, sempre mais longe, além do Oceano,
Nos limites do mundo conhecido,
Em plena selva e onde há que abrir a senda,
Que eu quero devorar os frutos novos
E erguer à beira de água a minha tenda.
Torna-me ágil e ardente, alma do Fogo,
Porque tu és a inspiradora inquieta
Dos bailados da morte e da alegria;
E eu prefiro ao aprisco a vida heróica,
A que devora o ser, mas alumia.
Queima-ma, embora custes, quando negas,
Quer o ódio fanático dos bonzos,
Quer o ciúme vil dos fariseus.
Sou dos que amam demais a Divindade
Para poder acreditar num deus.
Não és a flor da beira do caminho.dos que amam
Bem sei que é preciso conquistar-te
A cada novo dia e duro preço.
Por ti tenho sofrido quanto os homens
Podem sofrer. Por isso te mereço.
Por ti sofri os transes da agonia,
Desde a fome da alma no deserto
Ao pão que, por amargo, se recusa.
E, náufrago da grande tempestade,
Cá vou sobre a jangada da Medusa!
Gerou-te, lentamente, com revolta
E dor, a consciência dos escravos;
Renasce mais perfeita a cada idade;
E, sempre, com as dores cruéis do parto,
Dá-te de novo à luz a Humanidade.
Querem mãos assassinas sufocar-te
Nas entranhas maternas. Mas em vão.
Virás como a torrente desprendida,
Porque és o sopro e a lei da Criação
E não há força que detenha a Vida.

Jaime Cortesão


- Soneto imperfeito

Já não há mordaças, nem ameaças, nem algemas
que possam perturbar a nossa caminhada, em que os
poetas são os próprios versos dos poemas e onde
cada poema é uma bandeira desfraldada.
Ninguém fala em parar ou regressar. Ninguém
teme as mordaças ou algemas. – O braço que
bater há-de cansar e os poetas são os próprios
versos dos poemas.
Versos brandos… Ninguém mos peça agora.
Eu já não me pertenço: Sou da hora.
E não há mordaças, nem ameaças, nem algemas
que possam perturbar a nossa caminhada, onde
cada poema é uma bandeira desfraldada e os
poetas são os próprios versos dos poemas.

Sidónio Muralha




19 janeiro 2015

A minha Pátria é a língua portuguesa
Não chóro por nada que a vida traga ou leve. Há porém paginas de prosa me teem feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noute em que, ainda creança, li pela primeira vez numa selecta, o passo celebre de Vieira sobre o Rei Salomão, "Fabricou Salomão um palacio..." E fui lendo, até ao fim, tremulo, confuso; depois rompi em lagrimas felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquelle movimento hieratico da nossa clara lingua majestosa, aquelle exprimir das idéas nas palavras inevitaveis, correr de agua porque ha declive, aquelle assombro vocalico em que os sons são cores ideaes - tudo isso me toldou de instincto como uma grande emoção politica. E, disse, chorei; hoje, relembrando, ainda chóro. Não é - não - a saudade da infancia, de que não tenho saudades: é a saudade da emoção d'aquelle momento, a magua de não poder já ler pela primeira vez aquella grande certeza symphonica.
Não tenho sentimento nenhum politico ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriotico. Minha patria é a lingua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incommodassem pessoalmente, Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa própria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.
Sim, porque a orthographia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-m'a do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.
Bernardo Soares (heterónimo de Fernando Pessoa)
(original em "Descobrimento", revista de Cultura nº 3, 1931)

17 janeiro 2015

Em Dezembro de 2011 o ex- Chanceler Helmut Schmidt proferiu um discurso no Congresso do SPD, em Berlim que foi muito discutido.
Três anos decorridos poderá ter interesse reler o texto integral do discurso do que é um politico combativo e de pensamento estruturado sobre cidadania mundial e ética global, coisa que escasseia a muitos dos actuais aprendizes da politica.

"Nós, alemães temos razões para estarmos gratos. E simultaneamente temos obrigação de nos mostrarmos dignos da solidariedade, através da solidariedade com os nossos vizinhos", diz o velho Chanceler.
O discurso integral, que é também uma singular lição de História, pode ser revisitado em:

http://www.slideshare.net/Nunazev/discurso-de-helmut-schmidt-43604008


12 janeiro 2015

METADE

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio;
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca;
Porque metade de mim é o que eu grito,
Mas a outra metade é silêncio...

Que a música que eu ouço ao longe
Seja linda, ainda que tristeza;
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante;
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade...

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece
E nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta
A um homem inundado de sentimentos;
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo...

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço;
E que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada;
Porque metade de mim é o que penso
Mas a outra metade é um vulcão...

Que o medo da solidão se afaste
E que o convívio comigo mesmo
Se torne ao menos suportável;
Que o espelho reflita em meu rosto
Um doce sorriso que me lembro ter dado na infância;
Porque metade de mim é a lembrança do que fui,
A outra metade eu não sei...

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais;
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço...

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade para faze-la florescer;
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção...

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade... também
.

Oswaldo Montenegro

Ver o poema declamado e acompanhado à viola pelo autor, em: