24 dezembro 2014

Quase

Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…

Assombro ou paz? Em vão… Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma
O grande sonho – ó dor! – quase vivido…

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim – quase a expansão…
Mas na minh’alma tudo se derrama…
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo … e tudo errou…
— Ai a dor de ser — quase, dor sem fim…
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou…

Momentos de alma que,desbaratei…
Templos aonde nunca pus um altar…
Rios que perdi sem os levar ao mar…
Ânsias que foram mas que não fixei…

Se me vagueio, encontro só indícios…
Ogivas para o sol — vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios…

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí…
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi…

Um pouco mais de sol — e fora brasa,
Um pouco mais de azul — e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…

Mário de Sá Carneiro


Brinde ao brio da Ilha do Fogo - Olhar o Sul

Cabo Verde tem sido apontado desde há muito tempo como um país em África merecedor de crédito nos seus esforços de desenvolvimento. País pequeno e insular podia não augurar nada de bom. Mas não. Foi o segundo país, em quase cinquenta e no ano de 2007, a sair da classificação de ‘país menos desenvolvido (ou avançado)’ numa escala das Nações Unidas. Até agora apenas quatro deram este salto. Entre 2008 e 2013, Cabo Verde surge ora na segunda ora na terceira posições no índice da boa governação em África, instituído pela Fundação Mo Ibrahimo, prémio que se estendeu ao ex-presidente Pedro Pires em 2011. Mas como a natureza é por vezes madrasta, eis que notícias da Ilha do Fogo nos chocam e fazem imaginar o drama real que ali se vive. 

(da crónica de Manuel Ennes Ferreira, Expresso 20Dez14)